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Um dia por dentro do maior programa de alimentação escolar da América Latina

São Paulo, 31 de maio de 2022 – Tive uma oportunidade muito rica de conhecer in loco o programa de alimentação escolar em São Paulo, a maior cidade da América Latina, que atende 1,1 milhão de estudantes. É uma quantidade crianças e jovens beneficiados é superior à toda a população de várias capitais brasileiras. Por dia, são servidas cerca de 2,3 milhões de refeições em mais de 3.700 escolas municipais da metrópole.   

Com o apoio de nutricionistas da Prefeitura de São Paulo, visitei uma escola que atende cerca de 230 alunos na região central da cidade – a EMEI Gabriel Prestes, localizada na tradicional rua da Consolação. Eles têm estudantes de 22 nacionalidades, atendem crianças que moram em ocupações, em abrigos, filhos de imigrantes legais e ilegais. A escola está bem próxima de locais culturalmente ricos, como a Biblioteca Mario de Andrade, a famosa Praça Roosevelt e o Parque Augusta. 

Há senegaleses, bolivianos, peruanos, chineses, angolanos… O diretor comentou que existe uma “periferia invisível” no centro paulistano e que a alimentação escolar, para muitas dessas crianças, realmente pode ser a única do dia. Também em muitos casos, a mais saudável e adequada. No dia da visita, uma sexta-feira chuvosa de abril, como é normal na terra da garoa, o cardápio foi arroz, feijão, purê de batata e carne moída. De sobremesa, tangerina. 

Mas ali também estudam crianças de classe média, de famílias de pequenos comerciantes, trabalhadores formais e informais da região. Uma mescla cultural interessante. Vi atividades de plantio de flores, muitas ações lúdicas sobre alimentação e educação alimentar para as crianças. Incrível o tanto que se envolvem, que gostam, que perguntam, interagem. A escola estimula que eles sejam “cientistas da natureza”. Dentro da escola, há ainda vários pés de jaca, que encantam as crianças e proporcionam receitas curiosas, como a coxinha de jaca e a “carne” de jaca. De acordo com uma lei municipal, as escolas municipais de São Paulo não podem ter cantina – a alimentação escolar é gratuita e fornecida pela escola. Nas estaduais e privadas, a lei não vale. 

A escola também promove uma degustação às cegas todos os dias sobre a alimentação que será servida, com uma venda nos olhos da criança escolhida para participar. A horta ainda está voltando ao normal, estava bem no início, mas em breve haverá cenouras e outras hortaliças. Na hora de plantar uma flor no corredor de entrada da escola, o vaso passa por todos os estudantes. As professoras estimulam o diálogo, a imaginação, a curiosidade dos pequenos e pequenas. Tudo em conjunto e construído com eles. 

Prefeitura

Depois, foi hora de conhecer a estrutura de alimentação escolar na Prefeitura de São Paulo. Uma equipe enorme, com mais de 50 nutricionistas. A sala fica num prédio comercial perto do Vale do Anhangabaú e da Bolsa de Valores, bem bonito. Ali há equipe de logística, compras, pesquisa e desenvolvimento, jurídico, comunicação, definição de menus, veterinários, agrônomos, garantia da qualidade do alimento etc.

Incrível ver os números das compras nas coisas das paredes, com entregas marcadas na estrutura para armazenamento – 65 mil quilos de feijão, 39 mil litros de óleo, 40 mil quilos de arroz… E assim sucessivamente, em números superlativos, compatíveis com um programa de alimentação que atende mais de 1 milhão de pessoas todos os dias. 

A equipe destacou a existência do aplicativo Prato Aberto, uma ferramenta online que permite conhecer os cardápios semanais de todas as escolas da rede municipal. É possível solicitar dietas especiais para estudantes com necessidades específicas, fazer reclamações e sugestões de cardápio. 

As nutricionistas comentaram que sentem falta de capacitações e cursos e que há desafios grandes. Relataram dificuldade com crianças recusando alguns alimentos depois de terem ficado quase dois anos em casa durante a pandemia. Acreditam que é porque deve ter aumentado o consumo de ultra processados, por falta de renda e tempo das famílias. 

Em abril de 2020, no auge da pandemia, a Prefeitura lançou o “cartão alimentação” gerado a partir do número do CPF do responsável pela criança que consta no ato da matrícula. Os valores mensais variaram de acordo com o nível de ensino em que o aluno estava matriculado. Para os estudantes dos Centros de Educação Infantil, foi R$ 101,00. Para os das escolas de educação infantil, R$ 63,00 e R$ 55,00 aos estudantes de ensino fundamental. O investimento da Prefeitura superou R$ 1 bilhão durante o período de pandemia. 

São Paulo está vivenciando um movimento grande de terceirização da alimentação escolas nos últimos anos. Era o caso da escola visitada, onde 100% do trabalho é feito por uma empresa externa – desde a compra dos insumos, o preparo, a contratação dos funcionários. A equipe de nutricionistas da Prefeitura acompanha e monitora a qualidade desse trabalho. 

A compra dos 30% da agricultura familiar nem sempre é atendida nas aquisições dessas empresas. Mas a cidade tem tentado atingir esse potencial nas demais escolas (Rede Parceira e Gestão Mista). Em 2018, chegou a 27% de compras da agricultura familiar. Nos anos de pandemia, com a entrega de kits de alimentos (cesta saudável), às famílias, superou os 30%. 

As nutricionistas chamaram a atenção para o fato de que o programa de alimentação escolar de paulistano é o maior do Brasil e um dos maiores do mundo. Como desafio, também lembraram que milhares de estudantes deixaram a rede privada e foram para a pública na pandemia na cidade. 

Há em São Paulo cerca de 3.700 escolas. E tem de tudo – até colégio indígena nessa selva de pedra. São três, com aulas em guarani, comida adequada culturalmente e, infelizmente, cada vez mais prédios e condomínios em volta.

Relato de Paulo Beraldo, comunicador do projeto Consolidação de Programas de Alimentação Escolar na América Latina e no Caribe, do Programa de Cooperação Internacional Brasil-FAO