Tempo esgotado para o desperdício de alimentos: escola brasileira entra em ação e estudantes mudam hábitos

Em Itajaí-SC, comunidade escolar transformou relação de consumo após projeto sobre desperdício de alimentos e adoção de atitudes para reduzir perdas de comida

Paulo Beraldo

Brasília, Brasil, 02 novembro de 2024 – Reduzir o desperdício de comida na alimentação escolar, conscientizar sobre a crise global da fome e seu impacto na comunidade local. Esses são alguns objetivos do projeto ‘Tempo esgotado para o desperdício de alimentos’, desenvolvido na Escola Básica Professora Judith Duarte de Oliveira, em Itajaí, Santa Catarina, no Sul do Brasil. 

O projeto surgiu após a professora Patrícia Wanderlinde Alves ler dois relatórios sobre a fome e os impactos do desperdício de alimentos. Um deles revelava que cerca de 800 milhões de pessoas passavam fome em 2021, enquanto o outro apontava que 930 milhões de toneladas de alimentos eram desperdiçados todos os anos. 

“Essas informações dizem muito sobre a razão desse projeto. Ao trabalhar com duas turmas de 5º ano, me incomodou muito a existência de um grande desperdício de alimentos na alimentação escolar. Isso reproduzia, provavelmente, a realidade vivida por eles em suas casas”, explica.  

A professora percebeu a necessidade de mudar essa situação. Isso porque desperdiçar comida significa também perder recursos financeiros, ambientais e estabelecer padrões de comportamento para a vida toda. “Era indispensável avaliar o consumo de alimentos adotando melhores práticas para evitar o desperdício”.

O projeto começou em 2021 e envolveu os estudantes do 5º ano, transformando a experiência de aprendizado dos jovens. Devido ao êxito, logo foi ampliado para todos os estudantes da escola. “Os estudantes desempenham papel ativo em atividades como a realização de palestras, a arrecadação de alimentos para doação, a produção de material educativo, como um curta-metragem, vídeos e folders, e a distribuição desses materiais na escola e na comunidade”, explica Patrícia.

A escola registrou redução de cerca de 40% no desperdício e mudou hábitos alimentares. “Os estudantes estão mais conscientes e responsáveis ao se alimentarem, consumindo com mais respeito, o que ficou evidenciado na menor quantidade desperdiçada”. Com isso, os estudantes compreenderam que suas palavras e ações podem fazer a diferença na construção de um mundo melhor e sem fome. “Eles perceberam que a mudança tinha que iniciar por eles e começaram a pensar além dos limites da sala de aula”.

Na prática 

As ações começaram com um diagnóstico dos estudantes sobre conhecimentos prévios no tema. Foram realizadas dinâmicas de sensibilização sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, fome no mundo e os números do desperdício, assim como testes para avaliar os hábitos alimentares. Os estudantes tiveram de registrar todos os alimentos que fossem comer durante uma semana e o que foi descartado.

Posteriormente, investigaram as melhores formas de reduzir o desperdício de alimentos e produziram folders com dicas e desenhos. Para compartilhar o conhecimento, foram realizadas palestras para todas as turmas da escola. Cerca de 2.500 folders distribuídos para outras escolas, colados em ônibus e em locais de grande circulação. O grupo também organizou a arrecadação e distribuição de alimentos para famílias carentes e produziu um curta-metragem sobre o desperdício de alimentos. 

Desafios

A falta de conscientização dos estudantes sobre a gravidade do desperdício de alimentos e a necessidade de mudança de comportamento foram dois desafios encontrados. “Para superar isso, foram realizadas atividades educativas e práticas para sensibilizar os estudantes e incentivá-los a agir”. Outra situação complexa foi o envolvimento das famílias – nem todas estavam cientes da importância de reduzir o desperdício. Por isso, foram organizadas reuniões e eventos para compartilhar informações e incentivar a participação ativa nas atividades. 

A integração do projeto com a rotina escolar e curricular também foi desafiadora, já que o trabalho exige tempo e esforço extra dos professores e estudantes. Nesse sentido, foram feitos ajustes no cronograma e programação das aulas, além de buscar apoio e colaboração de outros professores e funcionários. É um trabalho em constante evolução e requer dedicação e esforços contínuos para sua manutenção.  

A Rede de Alimentação Escolar Sustentável (RAES) considera ações de educação alimentar e nutricional, bem como iniciativas que promovam a redução do desperdício de alimentos, um tópico de alta relevância em suas discussões com os países membros. Nesse sentido, é fundamental que o combate ao desperdício de alimentos no ambiente escolar reúna esforço conjunto de governos, tomadores de decisão, parlamentares, sociedade civil, gestores escolares e, sobretudo, dos educadores, nutricionistas, manipuladores de alimentos, estudantes e suas famílias, já que uma mudança duradoura depende da conscientização sobre o papel que cada um desempenha nesse combate ao fazer escolhas diárias conscientes e comprometidas com o planeta e as próximas gerações. 

Visibilidade 

Após a iniciativa ter sido publicada no site das Nações Unidas no Brasil, ganhou projeção nacional e os estudantes apresentaram esse trabalho para a prefeitura local. Depois de conhecer o projeto, a administração municipal organizou formação com diretores e cozinheiras de outras escolas, e apresentou o trabalho a gestores e funcionários das outras 118 escolas municipais de Itajaí, onde são oferecidas cerca de 400 mil refeições por mês na alimentação escolar. 

A empresa terceirizada responsável pela preparação da comida escolar também participou de capacitações sobre práticas para difundir o reaproveitamento e o cuidado com os alimentos. Para a professora Patrícia, o envolvimento com a comunidade foi um dos pontos mais marcantes do projeto, pois melhorou a qualidade de vida das pessoas através de bons hábitos de consumo, desenvolvendo atitudes conscientes que estão influenciando os jovens e suas famílias. “Depois do início do projeto, ouvi relatos de famílias que mudaram seus hábitos e costumes, pois foram orientadas por seus filhos. Estão comprando em menor quantidade, não fazendo estoques, desperdiçando menos e fazendo escolhas mais saudáveis”.